– por Eliane Haas.
O uso ritualístico do Rapé nada tem a ver com a prática social de se aspirar tabaco em pó. Esse hábito foi trazido da França (como bem demonstra a palavra, que vem do verbo “raper” = raspar) e esteve em voga no Brasil até o início do séc. XX.
O Rapé usado pelos índios da Amazônia com finalidade espiritual pode conter tabaco in natura e também outras plantas, principalmente o pau-pereira, angico vermelho, cipó escada, canela-de-velho, imburana, cumaru, menta, eucalipto, sansara, chacrona, jagube, murici, lourinho do Amazonas, paricá, abacateiro... dentre outras plantas que, combinadas ao tabaco, possibilitam desde a cura de males espirituais ou físicos, até processos de expansão da consciência, iluminação, estados meditativos profundos, lembrando também que cada planta utilizada juntamente ao tabaco possui propriedades medicinais particulares dependendo de quem o prepara e de acordo com a finalidade, pois as possibilidades são inúmeras. Não só o tabaco como todas as plantas utilizadas no ritual do seu feitio obedecem a milenares práticas ritualísticas tradicionais desde o plantio, passando pelo cultivo, a colheita e o preparo.
A principal fase do seu preparo é o pilar do tabaco e o acréscimo das cinzas que promovem a alquimia. Acréscimos e proporções dependem da intuição do feitor, que deve estar concentrado e em absoluto silêncio, podendo alternar com rezas e cantos, sempre com a intenção de despertar e fixar a intenção da Medicina.
Da forma como vem sendo utilizado há séculos, desde antes da chegada dos europeus, por várias etnias como os Huni Kuin, os Kashinawa, os Yawanawa... ele é uma Medicina – não uma Planta Mestra, como a Ayahuasca - pertencendo à vasta gama de Plantas de Poder do Reino Vegetal. O pau-pereira é uma das plantas utilizadas pela medicina popular mais estudadas pela Ciência, com indícios de eficácia no tratamento da Alzheimer, malária, febres várias, dentre outros males. As primeiras publicações médicas sobre esse poderoso alcaloide datam do séc.XIX.
Junto aos índios o uso do Rapé costuma ser associado aos cerimoniais com o Uni (ayahuasca) e o Sepá (uma resina queimada a guisa de defumação).
Na nossa Linha costumamos realizar os rituais com Ayahuasca independentes e sem incluir qualquer aditivo ou aliado, por considerá-la completa para o tipo de Trabalho a que se destina. Portanto, o Rapé é um Trabalho independente da Ayahuasca.
Dependendo dos seus componentes, o Rapé pode ser também um poderoso enteógeno alterador de consciência, com o poder de abrir portais para outras dimensões. Por isso é imprescindível que a Roda de Cura do Rapé seja realizada em ambiente com total segurança espiritual (sem interferências indesejadas) sob um comando que saiba se alinhar ao propósito que está conduzindo as energias e canalizando a intenção da cura específica, abrindo e fechando o Ritual na ocasião propícia.
Como toda prática de natureza xamânica, requer firmeza, coragem e entrega ao processo, para poder usufruir os benefícios da Magia Vegetal. O êxito na Cura vai depender exclusivamente de quem recebe o Rapé, pois a energia flui para onde se direciona a intenção, utilizando-se de uma espécie de “escaneamento” para detectar e romper bloqueios.
No passado remoto, da mesma forma que a Ayahuasca, ele era utilizado exclusivamente pela classe sacerdotal. Então o pajé se conectava com a Natureza à fim identificar os males que, por ventura, estivessem afligindo a tribo e, além de detectar a doença, trazer proteção espiritual e a cura através do Poder do Espírito dessa Medicina.
Da aplicação
A autoaplicação é voltada para quem deseja efetuar um estudo ou intensificar seu processo de cura. Requer experiência com a Medicina, pois como toda aplicação é baseada no direcionamento de uma intenção específica, a intimidade com ela é fundamental.
Aplicar Rapé em outras pessoas requer um estudo profundo para bem conhecer sua conexão com esta Medicina, assim como seus efeitos e aplicações. Nas tradições indígenas o aplicador, além de se submeter a uma série de fortes aplicações diárias, reza pedindo instrução e bênção ao Espírito do Rapé, além de observar um período de resguardo sem doces, carne, sal e relações sexuais.
Dependendo da afinidade, a experiência com o Rapé pode ser muito intensa, com reações físicas, psicológicas e espirituais. Por isso, quem aplica deve se conscientizar da responsabilidade perante essa inevitável troca de energias. Por sua vez, quem recebe, não deve tomar Rapé com alguém que não conheça ou por quem não nutra simpatia, pois ali deve-se estabelecer um vínculo de confiança. Essa confiança se estende também a procedência da mistura utilizada.
O ato de soprar é muito presente nas práticas de cura ancestrais e, no caso do Rapé, há várias modalidades de sopros que vão encaminhar a energia da desobstrução/cura. Portanto, o aplicador deve estar bem conectado com esse propósito.
Ao tomar Rapé, relaxe e respire fundo três vezes antes da aplicação. Ao receber o sopro, não respire e mantenha a língua no céu da boca. Quando retomar a respiração, faça-o pela boca e nunca pelo nariz, evitando engolir - o que causaria danos ao aparelho digestivo.
A aplicação pode, de imediato, provocar baixa de pressão com tonteira, ansiedade, angústia ou outros efeitos desconfortáveis. Essa ação de limpeza pode provocar catarro, lágrimas e vômito. É importante dirigir a energia rompendo bloqueios, como também atentar para o que está sendo expelido. Em seguida, busque na quietude da introspecção a Força presente dessa Medicina, explorando seus ensinamentos ou mensagens na sua tela mental superior.
Seus usos e abusos
Cabe, por fim. assinalar que a Roda de Rapé é um Trabalho de Cura que exige o máximo respeito para com a Planta de Poder. Concentração e recolhimento são importantes para o êxito do processo, que deve ter início, meio e fim. Qualquer uso que passe a se tornar rotineiro e sem propósito definido, resulta numa perigosa armadilha: o vício.
Além disso, deve-se considerar que o nariz é o órgão do sentido olfato e, portanto, ligado ao sistema nervoso central. Todos os odores são captados por meio de sensores olfativos que se localizam na mucosa nasal, formando o neuro epitélio, que, por sua vez, recebe e traduz no cérebro, todos os odores. Ou seja, todos os estímulos sensoriais olfativos são recebidos por esses neurônios. A cinza do Rapé, se inalada com frequência, corrói a mucosa nasal onde se localizam esses químio-receptores, comprometendo, de forma irreversível, a via olfativa ligada ao neo-córtex, impossibilitando a pessoa de discernir odores e usufruir dos benefícios de respirar ar puro.
Por esse motivo aconselha-se – aliás, como no caso de todas as Plantas de Poder em que o Caminho do Meio é sempre a via mais segura - que se use com comedimento, para que não se transforme em veneno.
“Medicina da Floresta
vem ligando a terra ao ar.
Expurgando o malefício
Traz a cura e a instrução.
Desde o Reino Vegetal
Mensageiro vem chegando.
Traz a cura e a Luz
pela purificação”.
(Chamada do Rapé – Eliane Haas)
Li atentamente os artigos desse estudo. Achei de grande importância e esclarecimento. Estou adorando os assuntos abordados. Nos norteia e esclarece. Gratidão