Ayahuasca e os desafios dos conhecimentos indígenas diante da globalização
O nascimento do Kahpi para o povo Tukano marca o surgimento das línguas e da divisão dos povos antes da humanidade navegar e se espalhar pelo mundo.
Kahpi ou Missipen é o nome dado pelo povo Yepá Mahsã ao cipó da ayahuasca, batizado cientificamente como banisteriopsis caapi em referência à língua do povo Tukano que foi um dos primeiros a ter esse tipo de contato de sua medicina com a ciência e cultura ocidental. Ainda que hoje muito se fale sobre ayahuasca poucos conhecem as histórias de como ela foi sendo tomada pelo mundo.

O conhecimento milenar do kahpi é presente em mais de cem povos indígenas da bacia amazônica entre Brasil, Colômbia, Equador, Bolívia, Guiana e Venezuela. No Brasil seu uso tradicional é conhecido entre os Apolima-arara, Arapaço, Asháninka, Avá Guarani, Baniwa, Barasana, Baré, Bora, Desana , Guarani Mbyá, Guarani Nhandeva, Huni Kuin (Caxinawa), Hupda, Juruna, Kambeba, Kanamari, Kokama, Katuquina (Nokekoi), Kubeo, Kuntanawa, Kulina-Madihá, Makuna, Manchinery, Matis, Matsés, Marubo, Nukini, Omagua, Piratapuyo, Puyanawa, Shanenawa, Shawandawa, Tariano, Tatuyo, Tikuna, Tukano (Yepá-Mahsã), Tuyuka, Wanano (kotiria), Witoto, Yekuana, Yaminawa e Yawanawá, além de provavelmente alguns povos isolados.
As trocas antigas entre esses povos dos troncos linguísticos Tukano, Pano e Arawak podem ser notadas através das histórias e cantos cerimoniais: o kahpi sempre esteve no centro de nossas organizações sociais e diplomacia antigas muito antes dos europeus pisarem nesta terra. Evidências arqueológicas apontam o uso entre povos indígenas superior a cinco mil anos e até oito mil anos.
Também conhecido como Jagube, Mariri, Yagé ou Caapi, o cipó nativo da região amazônica é matéria-prima na produção de uma bebida conhecida por pelo menos, oitenta nomes diferentes, como, por exemplo, Uni, Yagé, Kamarampi, Caapi, Natema, Pindé, Kahi, Mihi, Dápa, Nixi pae, mais recentemente como Cipó dos espíritos, Santo Daime, Vegetal, Hoasca ou Oaska.
O Banisteriopsis caapi foi, descrito e classificado como membro da família das Malpighiaceae pelo botânico inglês Richard Spruce, que, entre 1849 a 1864, viajou intensamente através da Amazônia brasileira, venezuelana e equatoriana, para montar um inventário da variedade de espécies de plantas lá encontradas na companhia de Alfred Russel Wallace e Henry Walter Bates. Ele conduziu um trabalho que reuniu mais de 30 000 espécimes vegetais da Amazônia e dos Andes, incluindo além do caapi os gêneros da seringueira ( Hevea ) e cinchona, da qual o quinino é derivado.
É importante lembrar o contexto histórico das viagens de Spruce durante o “Império da Borracha", em plena revolução industrial, em que a exploração da seringa passou a ser um importante comodity mundial para a fabricação de pneus e outros emborrachados necessários aos avanços tecnológicos da época. Spruce foi financiado em suas missões para reconhecer as melhores espécies de seringa, de forma a atender produção em larga escala, adaptar a espécie na Ásia e romper o monopólio amazônico da borracha que incomodava a economia europeia.
Para muitas comunidades indígenas, o período da borracha coincidiu com os primeiros contatos ou tempo das correrias, uma vez que a extração da borracha era amplamente realizada pelo trabalho de mão de obra escrava. Barões da borracha chegavam a marcar a ferro os indígenas sequestrados e torturados por eles, também era comum deslocar pessoas de suas regiões de origem para lugares distantes dentro da floresta de maneira a deixá-los sob de escravidão, à mercê de pouco alimento e muitas ameaças.
